quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

O vendedor de balas

Crianças e adolescentes sempre me chamaram a atenção. Desde o TCC (produzido em 2008) vinha ampliando meu olhar a estes seres que estão em condição peculiar de desenvolvimento, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente. Numa sexta-feira, véspera de Natal, estava com um amigo tomando uma cerveja no mercado público de Florianópolis. Entre o sol ainda forte do final de tarde, e o movimento frenético de pessoas e sacolas pelo centro, surgiu na minha frente um menino. Nailson da Silva, de 14 anos. Segurando uma caixa com alguns pacotes de balas de banana, ele me perguntou: “Quer bala tia?”.
Perguntei a ele por que trabalhava e ele me disse que precisava. Com olhos redondos e grandes, que contrastavam com sua pele morena, ele parecia assustado, olhava para os lados, não esperava que eu o intimasse a uma conversa. Disse-me que os pais tinham morrido e que a tia pedia que ele vendesse os doces para ajudar no orçamento. Falei para ele que não podia trabalhar, que era crime. Mas, ele não parecia entender.


O lanche

Não comprei as balas e o levei a uma lanchonete. Pedi dois pedaços de frango no palito que tinham no balcão e paguei os R$ 4 no caixa. Ele voltou comigo à mesa e comeu. Enquanto devorava com seus olhos arregalados os frangos, liguei para o SOS Criança (0800-643-1407) da cidade. Fiz a denúncia. A atendente me perguntou onde ele estava e disse que, do meu lado, sentado. Informei que morava no Monte Cristo. Daqui a uma semana, para ser otimista, algum conselheiro tutelar deveria vir procurá-lo.Nailson acabou de comer e disse que estava indo. Insisti para que ele ficasse, mas ele se foi. Na mesa com meu amigo, eu não sossegava. Só pensava no que eu poderia fazer por aquele menino. Meu amigo disse: “o que você podia, fez”. Depois de algumas cervejas, fui à procura de um banheiro. Fui num bar, mas me indicaram que fosse até o final do corredor do Mercado, que lá tinha um sanitário público. Ao chegar na porta, dei de cara com Nailson e sua caixa.

O encontro com a tia

O menino com quem eu conversava minutos, agora conversava com uma mulher que estava sentada na porta. Perguntei a ele o que fazia ali. A mulher olhou mim, depois para ele com ar inquisidor: “quem é ela?”. Nailson me olhou assustado, não sabia o que responder e deve ter pensado que tinha feito algo de errado. A mulher olhou para mim preocupada e esperava uma reposta do sobrinho. Nesse momento, outras três crianças, de idade inferior ao de Nailson estavam ao seu redor brincando entre as pernas.Falo para a tia, a mesma coisa que disse para o menino: “ele não pode trabalhar, é crime”. Ela diz que é a única solução, que traz ele para o centro somente nesse período de festas, pois não tem dinheiro para comprar as coisas que ele quer: roupa e sapatos. “Quando era criança, sempre trabalhei na rua. E nem por isso caí nas drogas. Vê como estou hoje”, alega a tia. Segundo a tia, que aparenta ter entre 25 e 30 anos de idade, os pais de Nailson são viciados em drogas. O pai, desde os 12 já conhece o que é a vida na cadeia. A mãe não quer saber dele. Por não ter quem o cuide, a tia o leva para o centro de Florianópolis para vender balas. “Ele já estava trabalhando de ‘olheiro’ no morro e não dá para deixar ele sozinho em casa”, diz ela.Durante a breve conversa na porta do banheiro público do Mercado Público de Florianópolis, Nailson só olhava e suspirava fundo. Para se desvencilhar das minhas perguntas, a tia arrumava as coisas e chamava as crianças para irem embora. Estava na hora. E na mesma hora, já apurada para ir ao banheiro, passei da porta. Foi o tempo para Nailson, a tia e as duas crianças sumirem. A caixa de balas nas mãos do menino é a lembrança amarga que ficou na mente.

Um comentário:

  1. Nossa! Parabéns! Muito lindo, bela descrição. E ñ me surpreende estar apurada para ir ao banheiro...

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